Implementação do ensino de espanhol no Estado de São Paulo: um retrato da gestão tucana

Por Chico Cabral

Ocorrerá nesta quarta-feira (10/03) Audiência Pública com a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo para discutir o processo de implementação e terceirização do ensino de Língua Espanhola no estado. Essa reunião é fruto de um processo de pressão e mobilização da APEESP (Associação de Professores de Espanhol do Estado de São Paulo) visando discutir de forma mais ampla a política com fortes traços privatistas que o governador José Serra pretende aplicar para cumprir a lei 11.161, que torna obrigatória a oferta de espanhol em todo país. A audiência será às 14h30 no auditório Teotônio Vilela, na ALESP.

Este ano acaba o prazo concedido por lei para que os estados implementem o ensino de espanhol em suas escolas. Em são Paulo a saída adotada é a da terceirização e da precarização o que acabou gerando diversos debates na comunidade acadêmica sobre o tema.No entanto, apesar da importância da questão, muito pouco tem se falado dela na grande mídia. Por isso, tentarei levantar aqui alguns aspectos do tema e da forma como o processo está se dando em nosso estado.

Breve Histórico

No dia 15 de agosto de 2005 foi aprovada e sancionada a lei 11.161 que torna obrigatória a oferta de língua espanhola no ensino médio de todo o País. A matéria, de matrícula facultativa por parte do alunos, deveria ser implementada no horário regular de aula, e seu oferecimento é obrigatório no ensino médio e facultativo para alunos de 5ª a 8ª série. O prazo de adequação dos estados, 5 anos, termina em agosto deste ano.

Essa lei é um importante passo na construção de uma integração latino-americana que não seja pautada unicamente por razões políticas, econômicas e pelas regras de livre comércio do MERCOSUL, possibilitando integração igualmente nos campos cultural e educacional. A lei também pode ser um momento importante de aproximação do Brasil com os demais países, visto que somos o único território Lusófono na região, o que sempre nos manteve um pouco afastados culturalmente.

Apesar de bem recebida, a lei causa certa desconfiança. Desde o primeiro momento sabe-se que é um plano bastante ousado, pois atualmente não há profissionais habilitados para a demanda, assim como no currículo escolar brasileiro a inserção de uma nova matéria numa grade cheia de complicações como é o caso brasileiro, não será tarefa fácil.

Outro grave fator de insegurança se dá pelo fato de que a implementação deverá ser levada a cabo pelos estados. O que significa manter quadro de expansão dispersa e heterogênea que tem marcado a inserção do ensino de espanhol no ensino médio brasileiro. O espanhol já era ensinado em algumas escolas por iniciativa própria (principalmente escolas do setor privado), e era obrigatório em alguns estados (como no Paraná, onde o espanhol é disciplina do ensino médio há algumas décadas), enquanto em outros lugares, mesmo depois de sancionada a lei, o processo parece caminhar de forma muito lenta.

São Paulo: o pior de todos, rumo às privatizações

Mesmo possuindo o maior número de licenciados no país e universidades públicas que são referência em pesquisas sobre o ensino de espanhol para brasileiros, o estado de São Paulo segue como o mais atrasado e desorganizado no cumprimento da lei. Apesar de estarmos no ano de limite da implementação, a Secretária de Educação não possui nem mesmo um currículo base para a oferta da disciplina, assim como não há qualquer sinal de um concurso de contratação de professores efetivos na área (este ano haverá concurso para todas as demais matérias da grade), apenas alguns concursos mal divulgados e esparsos que visam a contração de provisórios que certamente não suprirão a demanda.

O debate começou quando o governo, visando ampliar o número de profissionais capacitados para o ensino de língua espanhola, decidiu criar o projeto OYE, no ano 2007. Trata-se de um programa bastante próximo do ideário tucano de educação, aliando capital internacional e ensino a distância. O programa – que é realizado através de convênio entre: Banco Santander, instituto Cervantes e rede Universia utilizando-se de parte da estrutura de universidade públicas do estado – almejava capacitar professores de outras áreas para o ensino de língua espanhola em um curso completamente a distância com a carga horária de apenas 600horas. Um projeto estapafúrdio e irresponsável que colocaria na sala de aula um professor despreparado, que dificilmente tem o conhecimento sobre o tema tanto na parte “gramatical” como na “literária/artística”, impedindo o ensino de espanhol trazer o enriquecimento cultural e contribuir com o processo de integração da região.

Independente da polêmica sobre o ensino a distância, creio que o ensino de língua é o tipo do aprendizado que exige prática presencial e, além disso, com esta carga horária nem um curso presencial teria como garantir qualidade. Devido à irresponsabilidade do projetou iniciou-se um processo de mobilização nas universidades e entre os profissionais da área, que por um lado vetaram o projeto OYE como formação de professores, de forma que tornou-se apenas um curso para professores (por mais que ele possua um “estranho” módulo só sobre metodologia de ensino) sem status de licenciatura.

Quando questionada do por que optou pelo Instituto Cervantes, a secretária afirmava ser por conta de não existir nada na universidade. Como resposta a isso os professores de espanhol das universidades estaduais organizaram um projeto de formação e qualificação presencial de professores de espanhol a partir das pesquisas já desenvolvidas na área e….foram solenemente ignorados!

Um ano depois, o governo do estado aprova a Resolução SE – 76, de 7/11/2008, determinando que o inglês será a única língua curricular em todo o estado, conferindo ao espanhol um papel secundário e dificultando muito sua inserção de fato na grade. Não é estranho que Serra faça descaso da lei 11.161, que não compreenda sua verdadeira importância, afinal o PSDB em mais de uma década de poder nunca compreendeu o que de fato seria integração e identidade latino-americana, mais que isso sempre teve como projeto para região uma zona de livre comércio que seria nada mais que um embrião para a implementação da ALCA.

A atitude do governo de São Paulo em relação ao ensino de espanhol, só pode ser fruto de uma mente tosca, assim é uma pena que um homem com essa mentalidade seja candidato a presidente de nosso país. Será que ele não compreende a importância do bloco no contexto geopolítico mundial? Será que não sabe que agora brasileiros podem estudar e trabalhar em alguns países membros portando unicamente seu RG e ficha limpa de antecedentes criminais, o que coloca o ensino de espanhol como chave para um leque de novas possibilidades para nossa juventude? Não vê que o processo deve ser conduzido essencialmente pelos povos latino-americanos para que se crie não apenas um projeto de ensino de língua, mas de intercambio e integração cultural de fato?

No fim do ano passado Serra se superou! E aprovou a resolução SE – 83/ 2009, um projeto de lei que aprova a terceirização dos Cursos de Línguas (CELs), fazendo com que a privatização avance para educação e para dentro da sala de aula.

Eis que a lentidão que foi marca do processo nos últimos anos é substituída por uma agilidade impressionante. E mesmo estando ainda sem currículo base, já foi aberto o edital para o credenciamento dos interessados em menos de três meses depois da regulamentação. De acordo com o edital o estado pagará a cada empresa R$ 56,90 por mês por aluno matriculado. Considerando que cada turma pode ser de 20 alunos, mesmo que a empresa pague ao docente o dobro do valor mais alto de um professor do estado, levará um lucro de 70% sobre esse salário. Dinheiro público que vai para o ralo e poderia ser utilizado com melhorias da tão precária educação pública.

As consequências desse projeto são as piores. Os professores de espanhol perdem, pois não serão contratados pelo estado, sendo, assim, privados de direitos sociais – aposentadoria, direito de greve, estabilidade, direitos trabalhistas –, que possui qualquer outro professor da rede pública, ficando a mercê de institutos de idiomas que frequentemente desrespeitam leis trabalhistas e empregam por meio de contratos precários. Perde o povo, que não terá um ensino de qualidade, não possuirá um ensino de espanhol integrado às demais matérias, assim como não terá a garantia de contratação de professores feita de forma adequada (mediante concursos públicos) que garanta o preparo dos candidatos aceitos. Só ganha o setor privado, que mais uma vez poderá sangrar os cofres públicos, lucrando no oferecimento de um serviço que é de direito da população. Ganham também grupos internacionais espanhóis (como Santander e Instituto Cervantes) que facilmente poderão protagonizar o processo transformando uma iniciativa importante de integração regional em uma oportunidade de expandir sua influência cultural na região, de forma quase colonialista.

Pergunto-me que tipo de governo é esse que opta sempre pelo contrato precário, pela não garantia da dignidade dos trabalhadores da educação? Não falo apenas dos professores de espanhol, mas também dos mais de 40% de professores sob contratos temporários, que garantem o funcionamento do serviço de educação do estado sem direito a salário digno e estabilidade financeira, posto que têm um período máximo de anos consecutivos que podem lecionar. Que tipo de gestão é essa que sempre tem no professorado seu maior inimigo? Ou serão os professores o constante álibi para incompetência do PSDB?

O retrato do Tucanato

A implementação do ensino de espanhol no estado de São Paulo é o retrato vivo da gestão tucana e possui todas as marcas do governo de José Serra:

– Mal gerida: depois de 5 anos de aprovação da lei muito pouco foi feito, estamos atrasados em comparação com o resto do país e nem possuímos um currículo básico;

– Desrespeita os interesses do povo: não há qualquer esforço que vise garantir professores qualificados e com materiais adequados nas salas de aula o quanto antes, tudo vai no sentido contrário à formação de qualidade;

– comprometida com o capital internacional: preferiu como aliado Santander e Instituto Cervantes às universidades públicas do próprio estado, financiadas e administradas por ele;

– privatista: transforma bem público e direito social em mercadoria, entregando-os sempre para o capital privado sob o argumento de que é única forma se superar entraves na burocracia estatal (nunca é demais lembrar que em todos os estados onde o PSDB governa, a privatização é a marca mais forte de suas gestões, sendo os anos FHC paradigma desta concepção de governo);

-Apoiada pela grande imprensa: o tema não é noticiado em quase nenhum lugar e apesar de membros da APEESP terem chegado a dar entrevistas para a Folha … a matéria nunca saiu;

– Autoritária e antidemocrática: toma medidas sempre ignorando os profissionais da área, ou mesmo abrindo diálogo com a sociedade em geral, e se negou durante muitos meses a reunir-se com a APEESP.

Mas uma coisa eu garanto: esta quarta-feira (10/03), estes senhores, que fazem o que querem e como querem com o nosso estado, terão muito o que explicar.

Chico Cabral

Para saber mais:

http://www.apeesp.com.br/web/ – site da Associação de professores de espanhol do estado de são Paulo.

http://espanholdobrasil.wordpress.com/ – site com diversas notícias e textos sobre a implementação do ensino de espanhol no Brasil.

http://addendaetcorrigenda.blogia.com/2008/100201-situacion-actual-de-la-ensenanza-de-espanol-en-brasil.php – artigo da professores Neide González sobre a implementação do espanhol no Brasil

(ATUALIZADO)

Pequenas correções e alertas em relação ao texto, corretamente notadas por um leitor:

1. O debate de quarta-feira(10/03) será na Comissão de Educação da Assembléia Legislativa, não na Secretaria da Educação, embora se espere esta envie seus representantes.

2. Não há dados que permitam afirmar que não há suficientes professores de espanhol formados. Em São Paulo, sabe-se de que há número suficinete para as escolas do estado.Se há ou não interesse por parte destes profissionais em trabalhar na rede estadual é outro ponto a ser debatido.