Uma audiência pública aguardava a então reitora da USP, Suely Vilela, que não veio ou mandou representante. Os estudantes caminharam até a reitoria e lá encontraram as portas fechadas à qualquer diálogo. Reivindicando, entre outras tantas pautas engasgadas, a revogação dos decretos do governador que extinguiam a autonomia universitária e criavam novos absurdos, atravessaram o umbral e deram início aos 51 dias da Ocupação da Reitoria da USP, acontecimento que ressoou pelo Brasil e lançou um grito de alerta: alguma coisa estava mesmo fora da ordem.

Um porque para recordar o 3 de maio


3 de maio de 2007. O dia marca o início da Ocupação da Reitoria da USP, uma iniciativa legitimada a partir dos fóruns do movimento estudantil, mas não planejada. Cogitava-se a entrada no prédio, ato não incomum nos anos anteriores, mas não a permanência por tanto tempo.

A possibilidade real – de força e contexto – de se manter a ocupação fez com que as correntes políticas que se dizem dirigentes do movimento estudantil institucional – até então o único apresentado como possível – negassem essa possibilidade e fossem contra a ocupação para atendimento das reivindicações daquele momento.

Ao invés de cair na discussão da gigantesca pauta ter sido adequada, reformista, progressista ou outro adjetivo, o fato a ser considerado é que seus itens não eram novos, mas repetiam muito do que se queria há anos. Reivindicou-se autonomia financeira da universidade, melhorias na educação em geral e na própria USP, com prédios em frangalhos, com falta de salas de aula, vagas de moradia e professores.

Assim como a pauta era grande, pois a demanda estava acumulada, igualmente a ocupação ocorre em um contexto em que a vontade acumulada de participação política dos estudantes (até então potencial) teve, após um longo sono, espaço de vazão. Os meios institucionais mantêm as mesmas estruturas de outras épocas, assim como os mesmos porta-bandeiras partidários – suas novas gerações – controlando ou em busca de controlar os pequenos e cobiçados poderes dos diretórios, centros acadêmicos e cadeiras de representação discente.

Travados em regras conservadoras de movimento (ou seja, em fórmulas prontas) as correntes políticas hegemônicas da USP não fizeram em maio de 2007 o que sempre tentam fazer. Não puderam “dirigir” um dos mais importantes acontecimentos do movimento estudantil brasileiro. Sem exagero, recordemos que a primeira ocupação estudantil naquele ano, na Unicamp, estimulou a da USP e esta reverberou em ocupações e ações estudantis por todo o país.

O que se formou nos 51 dias de controle do prédio foi a abertura de espaços públicos, em seu sentido mais simples e em falta. Ainda utilizaram-se as velhas, porém úteis, assembléias para deliberar as linhas políticas de ação, mas o espaço político estava instaurado de modo que outros atores, até então alijados desse processo, irrompem para emitir opiniões, propor ações e executar essas ações. A protagonização do movimento ganha novos e muitos membros, em uma brecha não prevista na institucionalização padrão.

Estudantes, com diferentes concepções de sociedade, de educação e de ação, reuniram-se pela primeira vez em muito tempo para além de seus prédios em um só prédio. Sentados em roda, debateram, construíram informação e formação e agiram sobre elas, defendendo direitos inegáveis.

De tão inusitado, ou inesperado, o movimento abriu brechas na gestão da reitora e no governo estadual, assim como na grande mídia, ao mesmo tempo em que criou e sustentou uma mídia independente própria, que virou fonte de referência para os que estavam dentro e fora do prédio.

Esta, assim como toda experiência, traz consigo pontos positivos e negativos. Críticas merecem e precisam ser feitas. No entanto, nos balanços divulgados pelas correntes políticas hegemônicas no movimento uspiano, nota-se que hoje elas preferem esquecer o que houve em 2007.

Há, das correntes contrárias, as que propõem apagar da história estudantil esse acontecimento, classificando como erro a não ser repetido. Para contrapô-las, basta analisarmos quantos estudantes se interessaram pela atuação política após terem se formado a partir da experiência da Ocupação. Os 51 dias criaram uma geração de interessados em mais do que as quatro paredes da sala de aula, mas não houve suporte posterior capaz de sustentá-los.

É preciso considerar também que, dos que participaram de fato da Ocupação, os poucos que decidiram publicar opiniões sobre ela, não foram contra. Podem ter sido críticos – o que se espera de uma análise séria – mas não contrários.

Assim como não há disposição para o debate por aqueles que foram contra, não há, e falta, uma história suficientemente contada por aqueles que ali construíram a Ocupação da Reitoria. Os que estiveram presentes, da limpeza do chão à mesa de negociação.

Neste instante, talvez um autor conhecido nos pediria para contarmos a história ao contrário, ou escová-la à contrapelo. Para não esquecermos, temos que contar o que passou, aprendendo com suas lições e espelhando no presente.

Aos que me lêem e se identificam, cabe um chamado: Contemos nós.

Carlos Gimenes, estudante presente em 2007