Em carta encaminhada para colegas docentes, Ruy Braga (professor do Departamento de Sociologia da USP) analisa o resultado do primeiro turno das eleições que escolhe o sucessor da inábil Suely Vilela. Solicitamos autorização ao professor Ruy Braga para publicar a análise em nosso blog, e gentilmente ele permitiu que assim procedêssemos. Dessa forma, segue o texto:
C@ros colegas.
Antes de tudo, gostaria de cumprimentar todos aqueles que se engajaram nas campanhas dos diferentes candidatos a reitor e que garantiram um consistente quorum para a eleição democrática promovida pela ADUSP em nossa faculdade. Em especial, fico feliz em saber que 202 colegas na FFLCH decidiram participar dessa eleição e que, desses, 93 votaram em um conhecido sindicalista e 23 em um “anticandidato” marxista, crítico e radical. Meus sinceros parabéns àqueles colegas que garantiram a abertura das urnas nos três prédios e sustentaram uma campanha empreendida de forma verdadeiramente democrática e respeitosa.
Contudo, e mesmo correndo o risco de contrariar colegas que muito prezo, apesar dessa vitória cívica, parece-me conveniente encarar certos fatos… Em primeiro lugar, é importante lembrar que, no decorrer da campanha, a direção da ADUSP CONSCIENTEMENTE optou por construir a unidade apenas entre o corpo docente. A votação de Chico Miraglia demonstrou que a direção de nossa entidade foi relativamente
bem-sucedida nessa empreitada.
Contudo, se o objetivo da eleição era demonstrar em termos práticos a superioridade do processo democrático extra-oficial sobre a atual forma de seleção do reitor da USP, temo dizer que fomos, sim, DERROTADOS. Não me parece correto tergiversar sobre isso. No processo oficial votaram 1.641 eleitores, no da ADUSP, foram 1.155 votos válidos. Isso sem dizer que, no processo oficial, o primeiro turno é realizado por intermédio de Congregações de unidades onde os que têm direito ao voto representam outros colegas. (Eu mesmo represento os 19 colegas da categoria dos doutores que confiaram em mim seu voto.) Ou seja, além da superioridade nominal do processo oficial existe um sistema de representação que a eleição extra-oficial não chegou nem perto de superar.
Brevemente: faço essa ponderação, não por concordar com o processo oficial, é claro, mas apenas para lembrar que qualquer tentativa de superação da concentração de poder na USP que não leve em conta a unidade com os demais setores da universidade está fadada ao, digamos claramente, FRACASSO. Caso as forças democráticas atuantes nessa universidade não consigam atuar de maneira articulada, temo que nossas demandas democráticas serão neutralizadas por uma reforma cosmética qualquer que simplesmente reproduzirá o atual quadro. No meu entendimento, a atual política da ADUSP colaborou indiretamente pra isso.
Vários colegas objetarão: mas foram os estudantes e os funcionários que escolheram não participar da eleição. É verdade. Mas, independentemente do juízo de valor que possamos fazer acerca das direções do movimento sindical não-docente e do movimento estudantil, o fato político objetivo é que estes simplesmente se recusavam, desde o início, a participar do processo eleitoral por meio de uma candidatura “oficial”, isto é, por meio de alguém disposto a participar da seleção do reitor que hoje vigora na universidade e que esses setores afirmam, com boa dose de razão, que os discrimina.
Nesse sentido, avalio que a candidatura de Chico Miraglia, apesar dos inegáveis méritos pessoais do candidato e da expressiva votação alcançada, foi mal-sucedida por não ter sido capaz de aglutinar os três setores e transformá-los em uma força política coesa. O fato é que desde o início A DIREÇÃO DA ADUSP SABIA disso. Se não podemos criticar a entidade por desejar ter um candidato saído de seus quadros, devemos reconhecer que esta candidatura foi talhada pra ser uma candidatura exclusivamente do quadro docente.
A candidatura que seria capaz de cumprir o relevante papel de aglutinar as forças dos três setores em nome da reforma democrática e de uma estatuinte soberana, isto é, Chico de Oliveira, uma candidatura discutida longamente com funcionários e estudantes, além de contar com o apóio de alguns docentes, foi claramente enfraquecida pela política da ADUSP. Percebam esse ponto: funcionários e estudantes se dispuseram sinceramente no início desse semestre, quando ainda havia clima político pra tanto, a apoiar um colega docente com prestígio acadêmico e firme trajetória política no intuito de defender os interesses democráticos em jogo no processo de seleção do próximo reitor. A direção da ADUSP, com sua candidatura própria, optou por dialogar apenas conosco.
Uma outra palavrinha acerca da campanha de Chico de Oliveira. Apesar de sua modesta votação entre os docentes, Chico cumpriu um papel decisivo: colocou seu nome à disposição da luta unitária pela democracia na USP. Do alto de seus 76 anos, rompeu com o corporativismo e participou pacientemente de incontáveis reuniões e assembléias com funcionários e estudantes, além de ter atraído a atenção da mídia para as posições do movimento por meio de suas várias entrevistas. Ao longo desses meses de campanha, Chico recebeu o apoio de colegas como Iztván Mészáros, Michael Burawoy, Roberto Schwarz, Paulo Arantes, Ricardo Antunes, entre tantos outros. Além de colegas da FFLCH de vários departamentos, como: Manoel Fernandes, Rodrigo Ricupero, Henrique Carneiro, Vera da Silva Telles, Salete de Almeida Cara, Maria Elisa Cevasco, Luiz Roncari, Ricardo Musse, Francisco Alambert, Otília Arantes, Leonardo Gomes de Mello e Silva, Maria Célia Paoli… Por isso, aos meus olhos, a campanha de Chico foi muito bem-sucedida.
No movimento estudantil, apesar da atual gestão do DCE apoiar e participar ativamente da candidatura de Chico de Oliveira, a assembléia estudantil que ia deliberar a respeito do apoio à eleição e a Chico, tensionada, por um lado, por setores que apoiavam Miraglia e, por outro, setores que desejavam boicotar a eleição prevaleceu, contra a vontade a atual gestão do DCE, a péssima posição da neutralidade da entidade em relação às candidaturas e pelo boicote à eleição democrática. E diante da impossibilidade de se atuar conjuntamente, a assembléia do Sintusp decidiu, discordando, segundo consta, das regras da eleição, continuar debatendo com sua base por meio da anticandidatura de Chico de Oliveira.
No final, aqui estamos: desunidos e incapazes de mostrar para a comunidade acadêmica e a sociedade que nossos métodos são melhores do que aqueles que vigem hoje na universidade. É muito triste. Por isso, antes de sair celebrando a vitória pírrica de Miraglia, prefiro partir do reconhecimento de que muitíssimos erros foram cometidos de todos os lados ao longo desses últimos meses. Somente assim, seremos capazes de avançar, inclusive, no fortalecimento da ADUSP. Para isso, parece-me fundamental criarmos mais canais de diálogo, quem sabe um fórum com reuniões freqüentes entre nossas forças, estudantes e funcionários.
Atenciosamente,
Ruy Braga.
23 outubro, 2009 at 11:04
Ora… se a crítica às eleições democráticas construída pelo movimento docente é a ausência da participação de funcionários e estudantes no processo, essa crítica deve ser dirigida, em primeiro lugar, aos funcionários e estudantes. Para denunciar concretamente o autoritarismo brutal que vigora na USP, nada mais coerente do que praticar a eleição democrática alternativa, demonstrar à comunidade aquilo que defendemos. É uma proposta que enfrenta a Reitoria, ao mesmo tempo em que massifica a defesa das Diretas. A defesa fraseológica da democracia na universidade está ultrapassada: essa democracia será sempre abstrata, enquanto não houver disposição de disputa política de massas da comunidade universitária. E enquanto não soubermos unificar as forças sociais e políticas em torno de alguns métodos comuns, que ampliem os projetos do movimento para fora de si próprio… coisa que a anti-candidatura do Chico de Oliveira, com todo respeito, na minha opinião absolutamente NÃO fez.
23 outubro, 2009 at 16:47
Concordo plenamente com a Joana, a anti-cadidatura do Chico findou por ser também, de uma certa forma, anti-esquerda.
Porém, dizer que o voto no Miraglia era voto de protesto, como dizem alguns, francamente. Para quem irá os votos dele no segundo turno? Na sua ampla maioria para o Corbani.
Abs,
23 outubro, 2009 at 21:27
Vcs estão falando em larga medida do movimento docente, que realmente não é lá grande coisa atualmente. Só que o me também não, haja vista a decisão patética de se manter neutro na eleição. No fim das contas a Suely, que vcs vivem chamando de inepta, deu um nó em todo mundo, foi a grande vitoriosa até este momento. É bem grande a chance de ela emplacar os três nomes na lista, quer dizer, o Glaucius, Corbani e Ruy, dando uma rasteira no Serra, na Adusp e ME.]
Bem, de qualquer jeito, e o que me vai fazer? Tristemente: NADA!
Camila
24 outubro, 2009 at 14:11
A ditadura uspiana
A Universidade de São Paulo elege novo reitor em ambiente de conclave. O sistema é indireto, por colegiado, com participação majoritária de professores e minoritária de alunos e funcionários (que, somados, não chegam a um terço dos votos).
Os debates entre candidatos são rasteiros, protocolares. Até parece que, meses atrás, a cavalaria não atacou civis que protestavam contra a princesa do campus. Espertamente, os pretendentes apenas pincelam as questões mais delicadas e urgentes, repetindo o ramerrão do burocrata-que-sabe-o-seu-lugar.
O sistema eleitoral das universidades públicas é uma excrescência legada pelo regime militar. Como alguém ainda pode apoiar o delírio excludente segundo o qual um professor “vale” mais que dezenas de outras pessoas que vivem no mesmo ambiente? Os estudantes são obrigados a eleger deputados estaduais mas não podem escolher o administrador da universidade onde passam importantes anos de sua formação pessoal.
A arbitrariedade não é gratuita. Toda uma rede de favorecimentos pessoais e uso irregular de verbas públicas depende desse sistema decisório verticalizado. Ninguém vai arriscar uma brilhante carreira (e bolsas, e bonificações, e diplomas grátis!) para defender os interesses de moleques cabeludos.
O corpo docente adora posar de donatário ilustrado das coisas públicas, o guardião do castelo do saber. Os departamentos e gabinetes odeiam prestar contas e os governos estaduais preferem fingir que a tal autonomia universitária é compatível com esse viciado ambiente de interferências políticas. E o movimento estudantil, empenhado em festas e ocupações inócuas, não pode reclamar muito, já que, afinal, a própria UNE elege sua diretoria por método semelhante.
A didática brutalidade dos protestos recentes mostrou estar próximo o dia em que esse gigantesco vácuo de legitimidade tomará proporções realmente transformadoras. E ninguém poderá fingir surpresa.
10 novembro, 2009 at 18:51
Com todo o respeito, a afirmação do Prof. Ruy está equivocada quando diz que a Adusp quis apenas uma eleição democrática dos docentes. Foram várias as tentativas para que as entidades fizessem juntas uma votação livre, democrática. Mas o Sintusp e DCE decidiram não faze-lo e deve-se respeitar a decisão deles.
Agora também não adianta ficar atacando aqueles que fizeram a consulta, inclusive porque a “anti-candidatura” não decolou. O que quer represente uma anti-candidatura depois de ter decidido não fazer eleição direta.
Infelizmente o artigo tenta desmerecer a votação direta feita e tenta desmerecer o fato de que o Professor Miraglia ganhou tal eleição entre os professores.
A candidatura de Francisco Miraglia é e foi importante para desnudar o processo, para pautar assuntos como Estatuinte, Democracia, Privatização, Produtivismo, Carreira, Assistencia Estudantil. Que outros falaram disso antes dele? Mas muitos começaram a falar disso. É uma candidatura de fato e os setores de esquerda perderam a chance de apoia-la, de mostrar unidade, força e coragem para a mudança.
Os que querem aglutinar os tres setores deveriam iniciar por fazer esta auto-reflexão.
10 novembro, 2009 at 18:57
Só uma correção:
Alguns setores de esquerda perderam a chance de apoia-la, não todos, é claro. Sem contar nos apoios de grandes intelectuais como Antonio Candido, Fabio Konder, Aziz Ab’Saber, Marilena Chaui e muitos outros.
É só ver a lista de apoio:
http://www.ime.usp.br/~miraglia
11 novembro, 2009 at 19:19
Estas discussoes sao meio surrealistas. Parece que nao saimos de 1968.
Estudantes sao membros temporarios da
comunidade da USP. Responsabilidade pela
direcao de uma universidade deve recair
nos ombros de seus membros permanentes,
nos quais o Estado poe a responsabilidade
de gerar e difundir conhecimento.
Sao os professores que devem sempre
decidir quem deve ser o reitor.
A unica duvida que ainda cabe eh se
o reitor deve ser eleito entre os
membros do corpo docente, ou se
deve ser resultado do trabalho
de um comite de busca que possa
indicar alguem de conhecida lideranca
academica tanto de dentro quanto de
fora da USP – como acontece nas
melhores universidades americanas, que
nao por acidente tambem sao as
melhores universidades do mundo.
Luiz Neto
13 novembro, 2009 at 18:30
Gabriel, seu comentário não foi censurado. Está desde a primeira vez que o deixou.
Universidade para quem?